Por Isadora Batista,  João Gabriel Cataneo e Kaian Luís

*Grupo Marés da Diversidade

 

Em 25 de setembro de 2025, foi aprovada por votação unânime, a criação da Taxa de Preservação Ambiental (TPA), que será cobrada aos visitantes de São Sebastião. Mesmo sobre protestos de moradores, o prefeito sancionou a medida. A cobrança entrará em vigor no primeiro trimestre de 2026, coincidindo com a alta temporada.

 

Valores da Taxa em São Sebastião:

De acordo com a nova regulamentação e com a Secretaria de Comunicação, o valor da taxa será calculado em Valor de Referência Municipal (VRM), fixado em R$ 4,77 em 2025, variando conforme o tipo de veículo: motocicletas, motonetas, triciclos e quadriciclos (1,10 VRM); automóveis (4,20 VRM); caminhonetes (5,20 VRM); vans e microônibus (13,50 VRM); ônibus (25 VRM); e caminhões (30 VRM).

O sistema de cobrança será eletrônico e automatizado nos pontos de entrada da cidade, garantindo praticidade e transparência. Ficam isentos os veículos licenciados em São Sebastião, Ubatuba, Caraguatatuba, Ilhabela e Bertioga.

Segundo o entendimento do Coletivo Caiçara de São Sebastião, movimento que luta pelos direitos do povo tradicional caiçara, a TPA aparece mais como uma forma de elitizar cada vez mais o turismo em São Sebastião. A lei prevê que a pessoa que tenha casa em São Sebastião possa cadastrar até quatro carros de fora (ascendentes e descendentes) como isentos, ou seja, todos os que possuem casa de veraneio tem a chance de não pagar, nem seus parentes, assim como os parentes dos proprietários de imóveis (frise-se: proprietários, pois a lei não garante a gratuidade de moradores que alugam a casa, mesmo que munícipes). “Ou seja, a taxa vai ser mesmo para o trabalhador e a trabalhadora que não têm casa aqui ou que não são parentes de alguém que tenha. Ela vai servir para afastar o turismo de um dia, o turismo popular, onde R$ 20 por dia faz, sim, a diferença”, explica Camilo Terra, Coordenador do Coletivo.

 

Faltou a participação popular

O que chama atenção é a rapidez com que todo o processo foi conduzido e aprovado, que gerou estranhamento entre os moradores e comerciantes locais. “A população tava toda lá por conta da pauta da TPA, se mostrando contra, e eles sabiam desse posicionamento popular desde o início. Mesmo que tenha faltado barulho e maior organização, o que fizemos — presencialmente e digitalmente — foi mais do que suficiente para mostrar o descontentamento da população sobre a taxa”, conta o jovem João Gabriel, que esteve na audiência da Câmara.

Mas, como  uma clara tentativa de desmobilizar o movimento popular, a sessão foi pausada  por uns 30 minutos antes de discutir a TPA. Quando a sessão voltou, a população mostrou sua voz, acusando as inconsistências, incoerências, hipocrisias e ameaças nas falas dos vereadores.

Porém,.  sem nem ao menos haver uma audiência pública prévia, em meio às discussões dentro da Câmara e diretas ameaças dos vereadores aos manifestantes, alguns poucos cidadãos que têm o privilégio de representar o povo junto ao poder público viraram as costas para sua população e aprovaram o projeto de lei da TPA – Taxa de Preservação Ambiental.

Tom ofensivo na câmara durante a votação 

O jovem morador e comunicador popular Kaian Luís acompanhou a votação e explica que houveram alguns pontos fora de contexto. “Como ficará a merenda das crianças, as cestas básicas?”, se referindo  para onde iria a arrecadação da taxa — coisas importantes, porém nada relacionadas ao meio ambiente. E o mais contraditório é que, no discurso burocrático, a taxa prevê investimento em propostas ambientais”, ressalta Kaian

Outra questão foi a posição retalhadora em relação ao voto contrário a Taxa, da vereadora Henriana Lacerda, que alertou sobre os pontos que eram falhos na TPA, e comentou o que considerava possível ajustar.  Porém, os outros vereadores discordaram e se posicionaram com provocações.   “Nos organizamos para estar presentes na votação, mas as ameaças foram tanto para nós, quanto para a vereadora, com citação sobre os cargos que ela tinha conquistado, como se fosse uma troca política mesmo.. Quando eles silenciam a população num lugar público, desconsideram que estão ali a serviço da população, por votação, por democracia” finaliza Kaian. 

Imagem:  Kaian Luis

Preservação do meio ambiente

Segundo informações do Departamento de Comunicação da Prefeitura de São Sebastião, o projeto estabelece que o valor arrecadado pela TPA, seja destinado exclusivamente para  ações de preservação ambiental e manutenção urbana, com fiscalização permanente. Entre as iniciativas que poderão ser beneficiadas estão a gestão de resíduos sólidos, com fortalecimento da coleta seletiva, apoio às cooperativas de reciclagem e ampliação de programas de compostagem; conservação ambiental focada no reflorestamento, proteção de nascentes e recuperação de áreas degradadas; e educação ambiental por meio de campanhas educativas e programas em escolas, aproximando crianças e jovens do cuidado com a natureza, além de outras ações de foco ambiental. Segundo eles, será criada ainda uma Comissão Permanente de Discussão e Deliberação da TPA, com representantes do poder público e da sociedade civil, assegurando gestão democrática, transparente e responsável dos recursos.

Descompasso da política pública 

Segundo o entendimento do Coletivo Caiçara de São Sebastião,, a TPA não está sendo criada para proteção do meio ambiente, mas sim como um mero instrumento de arrecadação. “Não existe na lei que a cria, a descrição pormenorizada de onde ela será aplicada, como e por qual secretaria ou órgão. Em Ubatuba se criou a TPA e agora o Executivo quer autorização para usar 50% da arrecadação sem rubrica”, ressalta Camilo Terra. 

O Coletivo ressalta também que a questão do lixo gerado pelo turismo, que é o carro-chefe para a TPA, já é coberta pela taxa de limpeza pública, que é cobrada direto no IPTU, com preços exorbitantes, e as pousadas e hotéis pagam alíquota maior justamente por receberem hóspedes. “Se todas as cidades começarem a cobrar para que possamos visitá-las, em pouco tempo ficará inviável a qualquer trabalhador ou trabalhadora sair de casa”.

Sobre a gestão dos recursos arrecadados, a prefeitura diz que todo esse processo será definido após as consultas e a assinatura do decreto.

 

Ubatuba, um processo de 5 anos

Entretanto, a comparação com o processo de implantação da TPA em Ubatuba evidencia diferenças significativas. Segundo relato de Mônica de Toledo, que atua na organização ICOA- Instituto de Cultura Oceânica,  ACIA – Associação Cunhambebe da Ilha Anchieta,  no Grupo Setorial do Gerenciamento Costeiro do Litoral Norte,  comentou que a criação da taxa em Ubatuba foi resultado de cerca de cinco anos de debates e estudos com ampla participação social.

 Ela explica que, por se tratar de uma taxa, sua finalidade é específica e voltada à preservação ambiental, sendo os recursos arrecadados destinados à mitigar os impactos do turismo de massa. “Foram estabelecidas linhas de ação para utilização dos valores arrecadados, garantindo que o investimento fosse revertido diretamente em ações ambientais. Além disso, Mônica destacou que a TPA foi criada diante da necessidade de diversificar as fontes de arrecadação, uma vez que Ubatuba é uma cidade essencialmente turística e com baixa receita própria. Diferente de São Sebastião que possui diferentes fontes de arrecadação com destino ambiental”.

Dessa forma, percebe-se que, embora ambas as cidades justifiquem a cobrança pela pressão do turismo sobre os serviços urbanos e o meio ambiente, os contextos são distintos. Em São Sebastião, o processo foi rápido e com menor diálogo público, enquanto que em Ubatuba houve maior transparência e participação social para a construção de uma política pública.

No decorrer da produção desta reportagem, foi lançada uma consulta pública online a respeito da taxa, com a proposta de ouvir a população.