Nego Léo e Cosme Vitor, lideranças unidas pelos atingidos de São Sebastião

Cerca de uma semana depois que a maior chuva já registrada na história do Brasil atingiu o litoral norte de São Paulo, centenas de pessoas enlutadas tomaram a decisão de transformar a dor em luta. Na Vila Sahy, de dentro da creche municipal que servia como abrigo improvisado para as vítimas das chuvas de 19 de fevereiro de 2023, nasceu o movimento União dos Atingidos. Desde então, com o lema “Justiça que se busca só, é só justiça que se busca só. Justiça que se busca junto, é realidade”, o movimento vem sendo linha de frente na luta por moradia digna em cidades litorâneas, além de promover missões-denúncias junto ao Ministério Público Estadual. Suas ações também potencializam a busca por justiça socioambiental e climática por meio de formações por direitos e empoderamento comunitário.

A Vila Sahy é uma comunidade periférica de São Sebastião que, segundo levantamento da Associação dos Moradores (AMOVILA), conta com cerca de 900 famílias. Inicialmente chamada de Vila Baiana por ser formada em sua maioria por migrantes nordestinos, mais tarde a comunidade se denominou Vila Sahy, acompanhando o lado nobre do bairro Barra do Sahy, numa tentativa de enfrentar a xenofobia reforçada pelo nome. E em 19 de fevereiro de 2023, a vila se tornou um exemplo concreto de como age a injustiça climática: formada ao pé do morro, ela foi o epicentro da tragédia climática que atingiu o território do litoral norte paulista e registrou o maior número de mortes da região. Enquanto isso, do outro lado da pista, a cinco minutos a pé da comunidade, no lado plano que concentra pousadas e mansões, não houve nenhum registro de mortes. 

Foi nesse contexto que moradores da Vila Sahy, movidos pelo afeto da vida coletiva, se articularam e fundaram o movimento União dos Atingidos. Leandro dos Santos Silva, conhecido como Nego Léo na Vila Sahy, foi um dos co-fundadores do movimento. Criado a vida toda na comunidade, Léo é uma liderança comunitária apoiada pelo FunBEA que há mais de vinte e cinco anos realiza ações voltadas à educação popular com crianças e jovens, além de valorizar e resgatar a cultura negra por meio da capoeira. “Vivemos em uma sociedade onde a desigualdade é muito grande e nós tentamos equilibrar essa balança”, conta Nego Léo. 

Nego Léo, liderança comunitária na Vila Sahy e membro da União dos Atingidos. Foto: Ed Davies

Nos meses que se seguiram à tragédia, a União dos Atingidos teve um papel fundamental na garantia de direitos da população da Vila Sahy. Ainda em 2023, após um estudo concluir que 70% da vila estava condenada, a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP) determinou a remoção imediata dos moradores das áreas de risco da Vila Sahy e a demolição de 893 moradias. A partir de então, a comunidade se mobilizou contra a decisão da PGE, tendo à frente das manifestações a União dos Atingidos e a Associação de Moradores da Vila Sahy (AMOVILA). 

A Vila Sahy lutava pela permanência das moradias, mas também pela compreensão dos seus modos de vida. Seus moradores reivindicavam, (e reivindicam até hoje), a regularização fundiária de todas as casas da vila, garantindo moradia digna e qualidade de vida para todos. Mas exigiam que esse processo fosse feito com participação popular, diálogo e consulta àqueles que seriam atingidos pelas mudanças. A presença de movimentos sociais, organizações de base e lideranças comunitárias foram fundamentais para que a população da Vila Sahy tivesse seus pedidos atendidos e respeitados: em abril de 2024, a PGE desistiu da ação. Esse é só um dos exemplos do papel que esses movimentos e pessoas exercem na garantia dos direitos e desejos de comunidades periféricas. “Buscamos fortalecer as comunidades da base, dar visibilidade para os invisíveis”, diz Léo. 

Mas ele não está sozinho, afinal, somente a justiça que se busca junto torna-se realidade. Outro integrante muito importante para a União dos Atingidos é Cosme Vitor, uma liderança nacional na busca pelo direito à moradia, também apoiado pelo FunBEA como liderança comunitária. Ele desenvolve ações na Associação de Favelas, na Campanha Despejo Zero e no Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social. Em São Sebastião, vem atuando como um mentor para a União dos Atingidos. “O joão-de-barro tem casa, a tartaruga tem casa. Mas e o ser humano? Tem casa? Não tem”, desabafa Cosme. Há mais de trinta anos, o educador popular apoia e fortalece comunidades de base em lutas por direito à moradia digna em todo o Brasil. 

Cosme Vitor, liderança nacional na busca pelo direito à moradia e membro da União dos Atingidos. Foto: Ed Davies

A partir do apoio direto (financeiro) do FunBEA, Cosme tem aperfeiçoado sua atuação comunitária através de cursos de oratória, direitos humanos e território, em parceria com a Defensoria Pública de São José dos Campos. Léo, por sua vez, tem  aprimorado o espaço onde ensina capoeira e promove ações comunitárias para crianças e adolescentes, além de seguir participando de formações e encontros com outras lideranças. Atualmente, o Movimento União dos Atingidos conta com 20 participantes, mas suas ações abrangem 11 comunidades e beneficiam cerca de 2.110 pessoas.

Ao apoiar lideranças como Nego Léo e Cosme Vitor, e movimentos como a União dos Atingidos, se contribui com o fortalecimento e autonomia desses atores, possibilitando que eles estejam presentes em espaços de tomada de decisão e de construção de políticas públicas. Essa presença é também uma forma de busca por justiça climática, afinal, comunidades com casas regularizadas, saneamento básico e educação de qualidade, por exemplo, tornam-se mais resilientes aos impactos das mudanças climáticas, seja por meio da infraestrutura ou do conhecimento sobre os riscos locais e contexto do mundo atual. 

Segundo a Rede Comuá, o Fortalecimento Comunitário é uma Solução Climática Local, pois garante a “participação ativa de grupos estratégicos na tomada de decisões relacionadas ao meio ambiente e à adaptação às mudanças climáticas, garantindo uma abordagem inclusiva”. Assim, pensar e planejar o futuro dos territórios junto às suas populações é também uma maneira de enfrentar as consequências das mudanças do clima e de promover justiça climática