Por Bianca Almeia, Articuladora Territorial do FunBEA
Em tempos em que a escuta apressada se torna regra e o contato humano é muitas vezes mediado por telas, escolher estar presente — com o corpo inteiro, com o coração atento — é um gesto poderoso. Foi com esse espírito que o FunBEA realizou, ao longo dos últimos meses, as mentorias presenciais nos territórios com coletivos e movimentos socioambientais apoiados pela Chamada Pública FunBEA 2024: pela Justiça e Educação Ambiental Climática.
Muito mais do que uma ação técnica de acompanhamento, essas visitas foram encontros sensíveis e potentes. Um espaço de partilha e construção conjunta.
Inspirada por experiências como o Diário de Aprendizagens da iniciativa Selvagem, aprendemos que estar nos territórios é também aprender com eles: seus ritmos, suas lutas e seus modos de vida. Como diz um dos trechos do Diário: “é preciso tempo e escuta para que o encontro aconteça de verdade”. E foi isso que buscamos cultivar: tempo e escuta. Encontro de verdade.
A escuta como prática de cuidado
As mentorias cumpriram, sim, seus objetivos técnicos: oferecer devolutivas sobre o processo de apoio indireto, fortalecer o uso estratégico dos recursos, ampliar o entendimento sobre o Plano de Ação para o Desenvolvimento Institucional (DI) como instrumento pedagógico, político e de planejamento. Mas elas foram muito além.
As visitas também serviram para estreitar laços e aprofundar reflexões fundamentais sobre os caminhos entre o fortalecimento institucional e a justiça climática no Litoral Norte de São Paulo. Cada caminhada, diálogo e partilha ao redor da mesa revelou o valor do afeto como metodologia. Estar presente nos territórios permitiu criar espaços de confiança, onde cada grupo pôde falar sobre seus desafios, sonhos, avanços e necessidades — sem formalismos, com verdade.
Essa escuta qualificada e comprometida reforça o papel do FunBEA: ser presença que fortalece e não apenas recurso que viabiliza.

Presença respeitosa nos diferentes tempos dos territórios tradicionais
Para melhor diálogo e conexão com os povos indígenas, comunidades quilombolas e caiçaras — cujos tempos, ritmos e formas de atuar são distintos e orientados por outras perspectivas de vida — as mentorias presenciais se mostraram imprescindíveis. Elas permitiram que o FunBEA ajustasse seus modos de atuação à escuta das realidades locais, respeitando cosmologias, ancestralidades e modos próprios de organização social e política.
Por onde caminhamos:
- Nas aldeias indígenas Rio Silveira (São Sebastião), Renascer Ywyty Guaçu e Yakã Porã (Rio Bonito), ambas em Ubatuba.
- No Quilombo Sertão do Itamambuca e no Quilombo da Caçandoca, também em Ubatuba.
- Na comunidade caiçara do Araçá, com o Movimento Unidos da Baía do Araçá, e na Vila Sahy com a Escola de Capoeira Angola Raiz Negra e a Associação de Moradores da Vila Sahy (AMOVILA), em São Sebastião.
- Em Caraguatatuba, no espaço e horta comunitária da Rede de Agroecologia, Cultura e Pesca de Caraguatatuba (RAPECCA).
O território como lugar de vida, saber e potência
Cada visita foi uma oportunidade para reafirmar algo que está na base do trabalho do FunBEA: o território não é apenas um espaço de intervenção, mas fonte de saber, experiência e ancestralidade. Caminhar por esses lugares, estar com as pessoas, conhecer suas práticas e modos de organização é reconhecer que ali se produzem conhecimentos fundamentais para a construção de uma justiça ambiental e climática verdadeira.
Ao lado dos coletivos, aprendemos que a escuta e presença é também uma metodologia transformadora. Escutar com o corpo inteiro, com respeito aos tempos de cada comunidade, transforma não só a maneira de apoiar, mas também a forma como pensamos políticas públicas, educação e cuidado com a vida.
“Estar ali, junto a cada comunidade, coletivo e caminhar pelos territórios com o corpo e escuta ativa e desperta, foi um gesto político, pedagógico e afetivo”
– Bianca Almeida, Articuladora Territorial FunBEA
Os Planos de Ação para o DI, nesse contexto, ganham ainda mais vida: deixam de ser apenas documentos e passam a expressar processos vivos — que articulam cotidiano e planejamento, política e pedagogia, sonho e resistência.


Confiança como solo fértil para o futuro
Ao estarmos juntos, olhamos nos olhos. Compartilhamos dúvidas, reafirmamos compromissos e celebramos conquistas. E, acima de tudo, construímos confiança. Confiança de que estamos caminhando lado a lado, mesmo quando as distâncias geográficas se impõem. Essa confiança sustenta pontes e processos duradouros — e inspira o FunBEA a seguir aprimorando suas formas de atuar, fortalecendo a filantropia de base territorial.
Aprendizados que continuam ecoando
Cada encontro deixou marcas. Algumas visíveis — registros, encaminhamentos. Outras mais sutis, mas igualmente profundas: um jeito novo e simbólico de olhar, um silêncio respeitado, uma história escutada com o coração aberto.
As mentorias também possibilitaram identificar, junto às comunidades, suas maiores lacunas e demandas, os conflitos territoriais, os impactos das mudanças climáticas e do racismo ambiental, além de outras vulnerabilidades que tornam ainda mais urgente o fortalecimento de suas lutas. Não só isso: ampliaram e aprofundaram o olhar sobre as tessituras territoriais, a relação harmônica com a natureza, o pertencimento comunitário, identidade e o sonho do bem viver.
Como nos lembra o Diário de Aprendizagens, relatos da jornada da professora indígena, ativista, escritora e artesã Cristine Takuá – a qual tenho uma imensa admiração – “não se trata de levar respostas, mas de estar disponível para as perguntas que surgem no caminho”.
É com esse espírito que seguimos. Acreditando que a educação ambiental e a filantropia precisam ser feitas com os pés no chão, os olhos atentos e os afetos despertos. E que, ao lado dos coletivos e movimentos que atuam nos territórios, é possível construir novas formas de habitar o mundo — mais justas, mais vivas, mais amorosas.
