A programação foi realizada com FunBEA e grupo de instituições pela Reparação Socioambiental do Litoral Norte

Com o envolvimento da comunidade foi possível construir o Plano de Mitigação em menos de 1 ano pós tragédia. Imagem: acervo Gris Espaço Solidário.

Por Ana Patrícia Arantes

“A comunidade não precisa ser salva. As pessoas da comunidade sabem fazer tecnologias sociais”. Com essa potente afirmação Joyce Paixão, coordenadora da Associação Gris Espaço Solidário da região metropolitana do Recife, compartilha com instituições do litoral norte de SP, como construiu um PLANO DE AÇÃO COMUNITÁRIA PARA MITIGAÇÃO DOS EFEITOS DAS CHUVAS.

A Gris Espaço Solidário atua no Bairro da Várzea, na Vila Arraes, que é uma ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), na região metropolitana do Recife, desde 2018. O bairro em 2022, sofreu com as fortes chuvas por causa dos alagamentos e deslizamentos de terra em áreas de barreiras, além de casos de afogamentos.

O Plano foi feito em 2022. Ansiedade e medo estão na comunidade em cada possibilidade de chuva. “ Foi uma operação de guerra e com isso tivemos um cenário de abalo emocional de todas as pessoas, das pessoas que perderam pessoas e bens materiais até a equipe voluntária”, conta Joyce.

O que a gente pode fazer antes que as chuvas aconteçam?

Pergunta “comum” para todas, todos e todes da comunidade, que juntes buscaram apoios com ongs como o Greenpeace para mobilizar a realização de mutirões com o objetivo de vistoriar as casas. Na equipe estavam moradores, engenheiros e arquitetos (universitários e profissionais ligados à Universidade de Pernambuco). O documento está pronto e foi enviado para a Defesa Civil, mas segundo Joyce ainda aguarda retorno.

Nesse contexto de mobilizar a comunidade e montar o Plano foi possível realizar três treinamentos para lidar com situações de risco, sendo um deles, com a comunidade onde ela memora à beira do rio.

Os treinamentos incluíram como atuar com eletricidade, rotas de fuga, proteção do corpo, “bolsa sobrevivência” e levantamento socioeconômico . O foco principal foi entender a realidade daquelas pessoas e das casas e como um Plano de Mitigação deve ser feito para aquela comunidade, pois, cada uma tem suas especificidades.

Tem algumas que tem becos outras que terão morros, para cada uma será uma metodologia de fuga diferente. E além disso, quem são essas pessoas? PCDs? Tem dificuldade de locomoção?

O Plano tem também ações de comunicação para facilitar o entendimento dos processos de situações de risco de maneira popular. “Não adianta vir com protocolo, pois vivemos num país onde o índice de analfabetismo funcional é muito alto, principalmente nas periferias. Por conta disso, fizemos alguns cartazes para dizer o que fazer antes das chuvas e durante o período de chuvas intensas, mobilizadores de porta em porta, chamadas com celebridades da própria comunidade ( artistas, movimentos ligados à cultura)”, alerta Joyce.

Comunicação Popular

Peça de comunicação que chama e acolhe. Mostra os diferentes momentos da regularização fundiária na comunidade e facilita o diálogo e entendimento dos moradores. Imagem: acervo Somos Todos Muribeca

Na outra ponta, porém com questões semelhantes, está Marcelo Trindade, coordenador executivo da organização social Somos Todos Muribeca, uma organização protagonizada por jovens do Conjunto Muribeca, fundada em junho de 2015.

Na realidade territorial esta comunidade sofre impactos de moradia por desapropriação e grandes enchentes provocadas por áreas de aterros que comprometem rios e córregos causando alagamentos.

“ Pessoas não tinham informação do que estava acontecendo, por isso fomos para o foco da comunicação popular”, ressalta Marcelo.

Para essas ações de mobilização, que hoje conseguem reunir mais de 500 moradores quando promovem encontros, se deu em 17 anos de trabalho focado em primeiramente informar a população sobre os documentos técnicos – ninguém entendia nada.

“Existe uma sensação de rebaixamento quando o único acesso que se tem sobre determinados processos públicos são inteiramente judiciais e com linguagem de difícil entendimento”, declara Marcelo

Quando relatam sobre justiça, ressaltam a forma de como os processos são conduzidos. “Um absurdo juízes se acharem capazes de dar uma sentença sem nem visitar a comunidade, sem ver que a decisão estava impactando mais de 5 mil famílias” alerta Marcelo.

A informação foi fundamental pois as informações judiciais não são entendidas pela grande maioria. Nesse sentido, uma das principais atuações da organização foi se apropriar dos diversos materiais e transformar aqueles documentos em uma linguagem popular. Estabeleceram um sistema de leituras cruzadas, com pessoas de diversas escolaridades, para que só fosse disponibilizado quando tivesse com a linguagem sendo entendido por todos.

Para Allan Yu, representante da ERRD – Rede de Educação de Riscos e Desastres do Litoral Norte, o encontro mostrou importantes estratégias para entender o envolvimento dos moradores no Plano de Mitigação com a comunidade e o potencial de uma comunicação popular para mobilizar moradores, como uma rádio comunitária, por exemplo. “Agradeço a oportunidade de ouvir os testemunhos e experiências. Foi uma aula fantástica”.

Nesta proposta de construção coletiva pela Reparação Socioambiental do Litoral Norte o FunBEA vem articulando com outros atores estratégicos para ter o olhar desse território atingido. “É muito importante que atingidos, moradores, veranistas, comerciantes, instituições públicas e organizações da sociedade civil conheçam e se agreguem a proposta do nosso grupo pela Reparação Socioambiental para que promovam a tomada de decisão compartilhada conectando ações no âmbito da preocupação pelo bem comum”, ressalta Semíramis Biasoli, secretaria executiva do FunBEA.

O FunBEA vem ampliando sua articulação em nível global por meio do envolvimento com outros Fundos unidos em uma das mais importantes redes do Brasil, a Rede Comuá, um espaço que reúne fundos temáticos, comunitários e fundações comunitárias, organizações doadoras (grantmakers) independentes, que mobilizam recursos de fontes diversificadas para apoiar grupos, coletivos, movimentos e organizações da sociedade civil que atuam nos campos da justiça socioambiental, direitos humanos e desenvolvimento comunitário.

Estiveram presentes no encontro ICC – Instituto Conservação Costeira, União dos Atingidos, ERRD-LN – Rede de Educação para Redução de Riscos de Desastres do Litoral Norte de São Paulo, Comitê de Bacias Hidrográficas do Litoral Norte e Fiocruz – Fundação Oswaldo Cruz

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