Em 2004 um estudo já apontava a necessidade de cuidar das águas nas Ilhas e envolver a comunidade.

Por Ana Patrícia Arantes

Quem poderia imaginar que comunidades tradicionais, em sua maioria, formadas por um pequeno número de pessoas, pudessem correr o risco de uma crise hídrica? Essa é a atual realidade de duas comunidades, uma a Ilha de Búzios, na face nordeste de Ilhabela, e a outra a ilha de Vitória, ao norte do município.

“Somos 23 famílias. Já está difícil água pra fazer comida, lavar uma louça, tomar um banho. A gente tenta economizar o máximo que puder para não faltar de vez. Estamos passando pela estiagem e este ano está sendo pior pela falta de chuva”, relata a moradora Viviane Costa Oliveira, jovem ativista da Ilha de Vitória.

 No momento, eles consomem água de nascente. Porém, precisam esperar a caixa d’água encher 100 litros, que acaba em um dia. “Deixamos juntar para retirar, estamos recebendo água da Prefeitura de Ilhabela, porque agora não dá mais pra fazer tudo com a água da nascente”, alerta Viviane.

Na ilha de Búzios, na comunidade da Guanxuma, a situação também é delicada. Os poços usados pela comunidade estão secos, assim como as nascentes. São 22 famílias – cerca de 80 pessoas, com dificuldade de acesso à água. “Usamos água para tudo”, diz Katia Regina Guimarães, moradora da Ilha, que busca resolver a situação junto com os moradores e já apresentou proposta à prefeitura. “Pedi para a prefeitura colocar mangueiras e outra caixa instalada na metade do caminho para acesso às pessoas”.

A situação frágil nestas ilhas não é recente. Um estudo, elaborado em 2004 – Mapeamento e Caracterização Socioambiental das Ilhas Ocupadas do Litoral Norte do Estado de São Paulo realizado pela Funcate – Fundação da Ciência, Aplicações e Tecnologias Sociais, com financiamento do Fundo Estadual de Recursos Hídricos, já apontava déficit do abastecimento nas ilhas. ”A questão do abastecimento de água é premente pois, apesar de todos terem acesso à água, esta é captada de nascentes sem comprovação de sua qualidade. É importante um levantamento das possíveis doenças causadas por veiculação hídrica. Além disso, procurar o atendimento com adoção de sistemas sanitários para disposição e tratamento dos esgotos”. Estes e outros dados compõem o relatório do estudo.

O estudo atentou também que naquela época, as captações eram realizadas diretamente das nascentes, apenas com mangueiras ligadas diretamente às casas, sem passar por uma caixa d’água e tratamento algum. E também uma grande parte dos moradores não tinha um sistema de filtragem. Apesar de terem autonomia na captação da água, as comunidades precisam de orientações para potencializar o seu uso, proteger as nascentes e conseguir manter a disponibilidade e qualidade hídrica das captações.

Para Semíramis Biasoli, secretária geral do FunBEA, a ausência de processos educadores ambientalistas para a gestão comunitária das águas em comunidades que não tenham acesso ao serviço da concessionária de saneamento local, é um ponto de extrema importância e deve ser trabalhado diretamente nestas comunidades.

Na região do Litoral Norte de SP, segundo dados do Comitê de Bacias Hidrográficas do Litoral Norte, o uso da água pelas captações alternativas chegam a mais de 40%. “Os dados são preocupantes para abordagens convencionais, mas na perspectiva de aproveitar o potencial local temos uma alternativa para pensarmos sobre a gestão comunitária de águas e garantir a presença destas comunidades tradicionais em seus territórios, como cuidadores dos recursos hídricos”, conclui Semíramis.

COMUNIDADES TRADICIONAIS E ÁGUA

Esta é a caixa d’água que fica na costeira de Ilha de Búzios, com 5 mil litros. A moradora Kátia Ribeiro indica como alternativa para suprir a demanda da comunidade que está sem água. Imagem: Katia Ribeiro